domingo, 10 de julho de 2011

Gabriela

- Grandes merdas.

E foi assim que eu conheci Gabriela, quando, num ímpeto de pudor que eu bem sabia não ser meu, procurei o emissor dessa interjeição tão corriqueira, mas que, no momento, me pareceu demasiadamente inesperada. Então vi. Vi os cabelos castanhos aparados antes dos ombros estreitos de menina não crescida ainda. Vi a pele também castanha, indicando a composição mestiça daquele corpo pequeno e frágil. Mas acima de tudo, vi os olhos, do mesmo tom, com um brilho de sabedoria, astúcia e malandragem típica da idade.
Gabriela não era bonita, comparada às outras meninas da classe. Ao invés das roupas apertadas, acentuando curvas ainda em formação, Gabriela vestia calças jeans e uma camiseta larga, cor de rosa. Rosa choque, rosa forte. Gabriela ia tão além daquele rosto pequeno entre tantos corações pequenos.
Durante as aulas, a cabeça pairava longe das orações subordinadas... Gabriela tinha a alma tão grande que achava que o mundo não era capaz de lhe suportar. E foi assim que, ao lhe explicar pela terceira vez a importância (que eu nem acreditava mais) que tinham as orações subordinadas, que Grabriela soltou um "grandes merdas". Assim, sem querer. Mas sincero.
Corou e quase corei também, não estivesse tão acostumado a reações semelhantes. Mas vinda de Gabriela, a frase soava diferente. Soava como um apelo de uma alma aprisionada no subúrbio não asfaltado da cidadezinha de merda que sufocava sonhos. E concordei. Grandes merdas. Grandes merdas as subordinações para nós que já somos subordinados a tanta falta de esperança. Nós, que nos bastamos em sobreviver.
Naquele momento, Gabriela olhou em meus olhos quase sem notar, e eu vi, quase sem perceber, aquele brilho intenso que seus olhos, quase sem saber, deixavam escapar e que o coração, quase sem acreditar, dizia "falta pouco".