quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Desabafo de alguém que escreve

“Escrever (es-cre-ver)
v.t.
Exprimir-se por sinais gráficos, caracteres convencionais: escrever seu nome.
Redigir, compor: escrever uma obra.
Ortografar: como se escreve essa palavra?
Corresponder-se, informar por carta: escrevo-lhe que aceito.
Sustentar, afirmar que: Bergson escreve que...
Fig. Assinalar, gravar: na fronte leva escrita a sua desonra.
Estava escrito, fórmula para expressar resignação.”

Sempre escrevi. Tudo bem, nem sempre, mas desde os cinco anos. E não apenas reproduzia signos gráficos ou produzia enunciados banais (“leite, pão, margarina, café e queijo”) ou objetivos (“mãe, deixe a porta aberta. Estou sem chave. Beijo). Pouco tempo depois de ter domínio daqueles desenhos que a caneta deixava no papel, e que diziam tanta coisa!, passei a escrever palavras que formavam frases que não relatavam exatamente fatos cotidianos. Falavam sobre coisas que não aconteciam. Se eu falasse, chamariam “mentiras”, mas, como eu escrevia, eram “contos”, “poemas” e coisas assim.

Escrevia muito, sobre várias coisas. E, de certa forma, tudo que eu criava me envolvia de uma maneira que já era difícil definir a realidade daquilo que eu escrevia. Era como se o papel fosse uma extensão de mim, uma vida que eu vivia quando a minha já não era suficiente. Era um refúgio, um inferno. Um paraíso e um barco em alto mar, que balançava na força das ondas e que resistia à fúria das tempestades. Escrever era tudo o que eu queria viver.

Das coisas que escrevia, às vezes gostava de algo. Elogios? Recebia muitos, mas nunca aceitei. Não pensava ser bom escritor, nem gostava de tudo que acabava caindo no papel. Às vezes, algum caía em meu agrado, mas não mais do que isso. Almejava, sim, melhorar naquilo que fazia. Escrever mais, melhor. Publicar, quem sabe? Enfim, sempre achei que estava no caminho certo, e sempre quis continuar escrevendo.

Quando comecei a estudar a teoria da literatura, foi como se recebesse um soco. Com declarações fortes, a professora afirmava :” Isso é certo, isso é errado. Isto é bom, aquilo é ruim. A literatura deve ser assim, não assim!”. Eu jamais ouvira falar sobre imagens sensoriais, mimeses, plurissignificação ou coisas semelhantes. Descobri que tudo o que eu tinha escrito naqueles anos não era bom. As pessoas gostavam porque não conheciam boa literatura.

Tentei mudar, juro. Por vezes tentei colocar nas histórias tudo aquilo sobre o que os teóricos falavam, mas foi impossível. Quando chegava no ponto final, tudo que estava ali era uma expressão pura de mim. Nada mais. Por mais que eu tentasse substituir o sentimento por racionalidade, o resultado era sempre a essência do que eu queria dizer. Pingava sangue.

Desisti. Não há um escritor em mim. Não um que possa ser levado a sério, ao menos. Meus escritos continuarão apenas relatando coisas simples, sobre o que eu sinto ou imagino sentir. Continuarão sendo extensões das vidas que não vivo.

domingo, 2 de outubro de 2011