Não que fosse bonita. Digo, não era feia, mas estava longe
de gozar daquela beleza fascinante que a TV costuma derramar sobre nós. Assim,
deitada, parecia serena e desprotegida, com seu seio despontando para fora do
lençol que a cobria, o mamilo apontado em direção ao teto. Longe de mim querer
despertá-la daquele torpor tão tranquilo e acabar desmanchando aquela pintura
diante dos meus olhos. Levantei com cuidado e saí do quarto. Vênus repousava no
acalento das canções medievais.
Ainda nu na cozinha, abri uma cerveja e bebi quase de um
gole só. A ingestão repentina ainda pela manhã me proporcionava uma sensação
prazerosa, como se meu corpo estivesse sendo abraçado pela morfina. A primeira
cerveja do dia trazia de volta a embriaguez afastada pelo sono e pelo sexo da
última noite. Era como um gatilho para retornar ao estado anterior, um
tentáculo que me arrancava da realidade e me puxava carinhosamente para um
lugar feliz e harmonioso.
Parei na porta do quarto. Ela ainda dormia, agora virada de
frente para a parede, de costas para mim. Sob o lençol, era possível ver os
contornos do seu corpo. Tinha cabelos loiros, tintura pesada, e sombras escuras
debaixo dos olhos. Nico. Femme Fatale. Seja meu espelho, docinho, e reflita em
sua pele a delicadeza existente sob a minha carapaça. Sunday Morning. Todas as
festas de amanhã. Minha Vênus em pele.
No banheiro, o resultado dos excessos. Minhas olheiras
despontavam arroxeadas. Quando abaixei a cabeça para mijar, fiquei tonto,
apoiei a mão na parede. Quando o jato saiu, senti como se minha uretra
estivesse em chamas.
Na sala, as garrafas vazias formavam um mosaico que falava
sobre a noite anterior. Minha mesa de centro com tampo de vidro estava repleta
de migalhas de pó, com cédulas enroladas em volta. Achei o cartão de crédito
dela, com a borda umedecida. Ágata. Ágata era uma pedra. Ou uma jóia? Pensei em
cristais. Em oceanos azuis de águas plácidas, mesmo sabendo que não fazia
sentido. Mas “Ágata” me lembrava “água”. Volúvel, molhada, envolvente.
Fascinante. Águata. Te chama, te embala e te afoga.
Sentei no sofá e peguei uma carteira de cigarro que estava
ali. Tirei um. Passei por debaixo do nariz e senti o cheiro de fumo. Diziam que
ali havia quatromilequinhentas substâncias cancerígenas. Como cabiam todas?
Acendi e traguei. Minha cabeça girou, quase vomitei. Nunca havia desenvolvido o
hábito, talvez estivesse velho demais pra isso. Tossi, cuspi no carpete e
apaguei o crivo na mesa de centro. O ministério da saúde não adverte que
cigarro tem gosto ruim. Continuei sentado. Olhei meu saco. Balancei o pau pra
ver se endurecia. Desisti. Fechei os olhos. Cantei Love Me Tender. Abri os
olhos. Cantei Bad To the Bone. Fiz uma careta. Levantei e voltei pro quarto.
Quando entrei, Ágata (Águata) estava nua juntando suas
roupas. Quando me viu (olhos de oceano), se assustou, cobriu-se com o lençol.
Riu (sorriso de maré alta), largou o lençol e veio me abraçar. Me beijou nos
lábios (cigarro), me olhou nos olhos e continuou sorrindo. Corri a mão por seus
flancos até os quadris, me sentindo sem jeito. Aquilo me incomodava. Seus olhos
de maresia me puxando para o fundo. Antes que me afogasse, antes que Medusa me
fizesse pedra, paralisado para até onde o tempo alcançasse, falei
- Querida, eu acho que é melhor tu ir agora.
Não sei que rumos ela tomou, se procurou outros navegantes
perdidos ou se arrastou alguém para suas ondas que estouravam nos rochedos. Eu,
até hoje, não perdi meu medo do mar.