sábado, 4 de agosto de 2012

Ágata


Não que fosse bonita. Digo, não era feia, mas estava longe de gozar daquela beleza fascinante que a TV costuma derramar sobre nós. Assim, deitada, parecia serena e desprotegida, com seu seio despontando para fora do lençol que a cobria, o mamilo apontado em direção ao teto. Longe de mim querer despertá-la daquele torpor tão tranquilo e acabar desmanchando aquela pintura diante dos meus olhos. Levantei com cuidado e saí do quarto. Vênus repousava no acalento das canções medievais.
Ainda nu na cozinha, abri uma cerveja e bebi quase de um gole só. A ingestão repentina ainda pela manhã me proporcionava uma sensação prazerosa, como se meu corpo estivesse sendo abraçado pela morfina. A primeira cerveja do dia trazia de volta a embriaguez afastada pelo sono e pelo sexo da última noite. Era como um gatilho para retornar ao estado anterior, um tentáculo que me arrancava da realidade e me puxava carinhosamente para um lugar feliz e harmonioso.
Parei na porta do quarto. Ela ainda dormia, agora virada de frente para a parede, de costas para mim. Sob o lençol, era possível ver os contornos do seu corpo. Tinha cabelos loiros, tintura pesada, e sombras escuras debaixo dos olhos. Nico. Femme Fatale. Seja meu espelho, docinho, e reflita em sua pele a delicadeza existente sob a minha carapaça. Sunday Morning. Todas as festas de amanhã. Minha Vênus em pele.
No banheiro, o resultado dos excessos. Minhas olheiras despontavam arroxeadas. Quando abaixei a cabeça para mijar, fiquei tonto, apoiei a mão na parede. Quando o jato saiu, senti como se minha uretra estivesse em chamas.
Na sala, as garrafas vazias formavam um mosaico que falava sobre a noite anterior. Minha mesa de centro com tampo de vidro estava repleta de migalhas de pó, com cédulas enroladas em volta. Achei o cartão de crédito dela, com a borda umedecida. Ágata. Ágata era uma pedra. Ou uma jóia? Pensei em cristais. Em oceanos azuis de águas plácidas, mesmo sabendo que não fazia sentido. Mas “Ágata” me lembrava “água”. Volúvel, molhada, envolvente. Fascinante. Águata. Te chama, te embala e te afoga.
Sentei no sofá e peguei uma carteira de cigarro que estava ali. Tirei um. Passei por debaixo do nariz e senti o cheiro de fumo. Diziam que ali havia quatromilequinhentas substâncias cancerígenas. Como cabiam todas? Acendi e traguei. Minha cabeça girou, quase vomitei. Nunca havia desenvolvido o hábito, talvez estivesse velho demais pra isso. Tossi, cuspi no carpete e apaguei o crivo na mesa de centro. O ministério da saúde não adverte que cigarro tem gosto ruim. Continuei sentado. Olhei meu saco. Balancei o pau pra ver se endurecia. Desisti. Fechei os olhos. Cantei Love Me Tender. Abri os olhos. Cantei Bad To the Bone. Fiz uma careta. Levantei e voltei pro quarto.
Quando entrei, Ágata (Águata) estava nua juntando suas roupas. Quando me viu (olhos de oceano), se assustou, cobriu-se com o lençol. Riu (sorriso de maré alta), largou o lençol e veio me abraçar. Me beijou nos lábios (cigarro), me olhou nos olhos e continuou sorrindo. Corri a mão por seus flancos até os quadris, me sentindo sem jeito. Aquilo me incomodava. Seus olhos de maresia me puxando para o fundo. Antes que me afogasse, antes que Medusa me fizesse pedra, paralisado para até onde o tempo alcançasse, falei
- Querida, eu acho que é melhor tu ir agora.
Não sei que rumos ela tomou, se procurou outros navegantes perdidos ou se arrastou alguém para suas ondas que estouravam nos rochedos. Eu, até hoje, não perdi meu medo do mar.