quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Apartamento 492




Chorei ao mesmo tempo em que começou a chover. Éramos, eu e ela, a chuva, uma entidade só. Éramos uma manifestação da dor que nos tomava naquele momento, e compartilhávamos nosso segredo numa solidão a dois, longe de tudo mais que chovia, chorava e morria naquela cidade que outrora pulsava viva em órgãos de concreto e corria como sangue por entre as veias de asfalto, mas que agora calava-se, como morta, em respeito a mim e à chuva.
Andei por todas as ruas da cidade, acompanhado dela, deixando minha alma em cada esquina que dobrava. Cruzei com a saudade, cruzei com a morte, cruzei com a loucura e com o desespero do embrião urbano. Em pouco tempo, já encharcado pela chuva incessante, cheguei ao n° 3584. Subi até o quarto andar e deixei-me cair ao chõ em frente ao 492, sem ter coragem de bater àquela porta que já havia sido meu refúgio tantas vezes, mas que agora estava permanentemente trancada. Pelo lado de dentro.
Minha visita não se estendeu por muito longe, pois logo ouvi vozes na escada. Uma feminina, conhecida, outra masculina. Desci pelo lado oposto e arremessei meu guarda-chuva ao alto assim que ganhei a rua. Caminhei por mais de uma hora sem destino certo, sem idéia nenhuma. O vento frio atravessava meu casaco molhado e doía como se agulhas estivessem sendo cravadas na minha carne. Meus pés estavam gelados, minha cabeça latejava.
parei sob uma luminária na esquina e tirei meu cigarros do bolso interno da jaqueta. Inútil, a chuva e o vento sequer permitiam que eu acendesse meu maldito cigarro. Sem mais forças, sentei à calçada e chorei. Solucei. Esmurrei o asfalto com o punho cerrado, e vi meu sangue se misturar à poça d'água que se formara aos meus pés. Afastando o cabelo do rosto, mirei aquele jovem que me encarava. Olhei em seus olhos o mais fundo que pude. Levantei e joguei o maço de cigarros no lixo. Achei o caminho de casa, tomei um banho quente e dormi por dois dias ininterruptos. Nunca mais voltei ao 492 do número 3584. Nunca mais fumei. Nunca mais me perdi na chuva. Nunca mais esmurrei o asfalto. Nunca mais vi aqueles olhos verdes refletidos na água.
Mas até hoje, toda vez que fecho os olhos, posso ouvir um par de vozes subindo a escada.

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