quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Azeitonas & Cerejas

"Ganesha Sharanam Sharanam Ganesha
Gan Gan Ganapati Sharanam Ganesha
Jay Ganesha Jaya Jaya Gananatha
Ganesha Sharanam Sharanam Ganesha
Gan Gan Ganapatiye Namaha
Ganesha Sharanam Sharanam Ganesha"


- Entende? - ela me perguntou, e tirou do copo de gim com tônica o palito com a azeitona espetada, e ergueu à altura dos olhos - Isso não é uma cereja. É a nêmesis perfeita da cereja. Cereja é doce. Cereja é vermelha, é bonitinha e todo mundo gosta. Adoça a boca, adoça a vida e é macia de morder. E eu não sou uma cereja, não levo jeito pra ser. Azeitona, baby. Amarga, azeda. Um tom de verde mofado, caroço duro de roer. Porque eu amargurei, boy. A vida me azedou. Não como vinho, mas sim como vinagre. Eu sou azeda e caroçuda. Calejada, garoto. Cerejas não existem no mundo real. Elas apodrecem em contato com o oxigênio putrefato que a cidade exala. Uma vez eu era uma cereja. Eu já usei vestidinho comprido e meu quarto era branco e rosa. Tá rindo do que, palhaço? - E bebeu o gim em um gole só - Eu já fui doce. Eu já deixei açúcar na boca que me beijou, eu já tive esperança, já tive sonho. Eu já fui vermelhinha e macia de morder, querido. Mas me diz, garoto, qual é a cereja que sobrevive a todo esse lixo, gás carbônico, gonorréia, álcool e hipocrisia que tem na rua? Darwin explicou tudo, mas esqueceu das cerejas. Vai ver ele não sabia. Porque agora eu sou uma azeitona. E sabe por que? Eu segui o que Darwin disse. Eu me adaptei. A cidade fez isso comigo, garoto. A cidade me corrompeu, tirou de mim tudo que era doce, tirou minha maciez. Agora eu cheiro a cerveja morna e cigarro. A conhaque, gim e uísque vagabundo. E por que, garoto? Por que isso aconteceu comigo? De repente a gente abre os olhos e mudou, endureceu, azedou... E nunca mais volta a ser doce. Eu sonho toda noite com tudo que eu era. Olha minhas tatuagens: Cereja e azeitona. Todo mundo sonha em ser cereja, né? Tu é uma cereja, criança. Olha pra ti... Pele branquinha, lisinha, cabelo cortado. Nunca fumou maconha, né? Nem cigarro, nem mentolado. Só cerveja e uísque importado. Cereja vermelhinha, e eu to louca pra te morder, pra sentir teu doce em mim. Não ri, garoto, ou tu acha que eu não sei que tu só sentou do meu lado porque a noite tá acabando e tu quer comer uma vagabunda? Eu dou pra ti, não te preocupa. Eu dou e não vou ficar te pentelhando, não quero teu telefone, não quero nem saber teu nome. Eu transo bem, carinha. Não precisa nem me levar pra casa depois. Eu gosto mais de cerejas, mas sabe por que eu só bebo gim com azeitona? Eu gosto de fazer a azeitona se sentir amada, desejada. A azeitona se sente importante por estar dando prazer a alguém. Deixa eu ser tua azeitona, boy. Deixa eu ser tua azeitona e fingir que sou tua cereja.

2 comentários: