quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

(De "Entre Dois Cafés")


E eram primaveras em teus olhos e verões em teu corpo. Agora resta apenas o inverno em tua alma. A brisa de outono que costumava soprar tornou-se vento frio que, enquanto corta o ar, entre assovios de agonia, corta também a pele já castigada pelo tempo e pelo infortúnio.
Por tempos e tempos tentei entender, inclusive me questionei. Perguntei de que eram feitas tuas lágrimas. Descobri, então, que tais lágrimas sequer existiam. Em tua concepção, chorar era sinônimo de fraqueza e, se fizesse isso, estaria abrindo os portões para teus inimigos.
Mal sabias tu que teu pranto acalenta tuas dores, como a chuva revigora os gerânios há tempos abandonados no jardim. Chorar não é fraqueza, é um alívio sincero da alma que pede socorro em silêncio.
Em teu olhar, outrora radiante e harmonioso, só se via os vestígios daquele "mais-que-amar" sem ser amado, que arrancara de dentro de ti a fragilidade que tu nem lembravas possuir. Porém, não foi exclusivamente mau... Ao te entregar de corpo e alma, coração e mente, sentimentos e pensamentos, colocaste teu destino à mercê da mão que te afagava. Te jogaste sem olhar pra baixo, esperando o abraço que te segurasse... Na queda, te deparaste com o vazio, o mesmo vazio daquele coração, no qual tu acreditou estar... E a boca à qual tu recorreste? Era, tua boca na dele, a manifestação carnal do abstrato da paixão. E agora? Agora teu beijo é em boca fria e sem dentes, de lábios moles que não expressam mais que indiferença.


(...)


Teu corpo, inerte, repousa à sombra das videiras. A não ser que tenha o gosto do sangue derramado da jugular de teu assassino, nenhum vinho vai te tirar desse torpor. Nem o mais forte, nem o mais encorpado... Nenhum tornará rubras tuas faces frias...

Dos mil amores que viveste, mil amores te feriram. Mas de que te adianta abster-se da vida? Não sabes que a sorte, animal traiçoeiro, se esconde de ti quando tu a procuras, e te salta ao pescoço quando tu te descuidas? Aquele que busca seu tesouro está longe de encontrá-lo. Quando desiste de procurar, tropeça nele.


(...)


"E eram primaveras em teus olhos e verões em teu corpo. Agora o outono sibilante te cobre o coração com folhas mortas, deixando os galhos limpos para as folhas novas, que nascem depois de todo inverno. É um ciclo... A vida que só é possível mediante a morte."





"Eu sou o alecrim, e trago a recordação"





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