segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Fragmentos de Adriana - Parte I

Se Adriana não me amava, como eu acreditava enquanto ela me mandava embora de seu apartamento, soube fingir muito bem toda vez que seus olhos buscaram os meus e um sorriso se formara em seus lábios, os quais beijavam-me em acalento.
Tentava me fazer perceber algo que eu não conseguia enxergar, me dizia que faltava algo cuja ausência eu jamais sentira.
Enquanto ela falava e tentava diminuir o impacto, eu ia caindo e girando e caindo e girando naquele túnel que parecia não chegar ao fim e naquele estado catatônico, minhas pálpebras cerradas eram a tela onde eram reprisados os momentos ao lado daquela que agora me dizia que precisava de algo maior.

Eu caio.

De repente, caio. Despenco do meu autocontrole e já não tenho mais chão sob mim, ou oxigênio ao meu redor. Entre as figuras que formam o retrato da cidade em ebulição está um recorte que não encontra aconchego entre os espaços abertos na carne da moldura. Eu não me encaixava, eu não tinha espaço. Daquele momento em diante, eu era sobra. Talvez rolasse por aí até encontrar descanso em alguma caixa de recortes. Adriana me fez vítima de sua ânsia por liberdade quando quis voar mais alto, e me deixou sozinho com uma máquina de escrever e uma sensação de desamparo pulsando dentro do peito.
Ao sair do apartamento, me abraçou mais uma vez e me pediu desculpas. Não respondi, estava ocupado demais destruindo os planos que havia feito e que agora eram desnecessários. Caminhei até o fim do corredor com uma espécie de leveza, como se flutuasse sobre o carpete encardido que cobria o chão de concreto. Deslizei pelas escadas, eu não estava lá.
No caminho para casa, instintivamente entrei no bar o qual frequentava religiosamente há dois anos. Meus cotovelos buscaram instintivamente o balcão manchado e com cheiro de cerveja. Fui atendido em seguida.

- E então, o que vai ser hoje?

Por um instante eu quis saber a resposta, quis ter a certeza de que ainda haveria alguma coisa hoje, e talvez até existisse um amanhã, depois que eu dormisse e acordasse. Mas acreditar em que? Esperar o que, se nada mais era o que tinha sido, se num de repente tudo havia deixado de ser?
Hoje? Não sei, meu amigo. Não to pra responder. A gente decide isso outra hora.

Fragmentos de Adriana - Parte II

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