quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Da Loucura ou Da Libertação

(De "Entre Dois Cafés")


Acomodados na penumbra do prédio secular que há anos funcionava como um bar, os dois refugiavam-se, entre cigarros e xícaras de café forte, do sol e das pessoas que ardiam do lado de fora, lá, na rua.
Um deles, o que parecia ser o mais velho, parecia não dormir há um bom tempo. Tinha barba por fazer e o rosto cavado por olheiras. O outro, mais jovem, fumava e bebia seu café incessantemente.

Não se conheciam. Na verdade, tinham a impressão de que apenas não tinham se visto ainda, embora tivessem se reconhecido mutuamente na primeira vez em que se viram.

Sem falar nada, o mais velho sentou-se à mesa na qual o outro estava, e pediu mais um cinzeiro e outra jarra de café. O outro não se manifestou. Sabia que algo estava por acontecer.

- Tomar café quente em pleno verão parece loucura, mas é a melhor sensação do mundo. Não acha?
- Nunca pensei sobre isso. Apenas tomo.
- E não acha bom?
- Acho, mas não sei se é a melhor coisa do mundo.
- Eu sei. E sabe por que? Porque é uma afronta. Todo mundo bebe coca cola, cerveja, água gelada. Todos fogem do calor. O café é um grito de oposição.
- Tomar café é andar na contramão.
- É.

[...]

- Sabe que todo ato de loucura desperta um pouco de inveja nas pessoas?
- Sério?
- Acho que sim. Em mim, pelo menos, desperta.
- Hum...
- Eu ainda lembro do cara que dançava em cima do prédio.
- Como?
- Numa noite de tempestade. Parece cena de ficção, eu nem acreditaria se alguém me contasse. Mas ninguém me contou. Eu mesmo vi.
- Viu o que?
- Ele estava em cima do prédio de medicina, na universidade. Dançava no parapeito.
- Quem era?
- Alguém que desafiou o mundo. Andava pela beirada do telhado, pulando e rodopiando ao sabor do vento e ao som de uma música que só ele ouvia.
- Sujeito corajoso.
- Não. A coragem requer concentração, e acaba retesando a musculatura. Ele estava relaxado, leve, quase imperceptível.
- Devia ser louco, então.
- Também pensei, mas a loucura não é tão precisa. Ele tinha domínio sobre aquilo, mesmo sem parecer.
- O que era aquilo, então?
- Liberdade.

[...]

- E sabe, eu parei e fiquei olhando. Todo mundo ficou.
- Curiosidade mórbida.
- Não, era inveja mesmo.
- De arriscar a vida?
- De ser feliz. Pra ele, não importava qual seria o destino após o próximo passo. Ele desfrutava de cada rodopio, sem se importar com nada. Entende isso?
- Acho que não.
- É, isso é normal. Eu também não entendi de começo. Levou tempo pra perceber que liberdade é não ter que se preocupar com o próximo passo, e que felicidade é não ter nada a perder.
- E o que aconteceu com ele?
- Não sei. Fui embora antes de ver. Larguei meu trabalho, a faculdade. Deixei uma carta pra minha mãe e outra pro meu irmão. Arrumei meu quarto, alimentei meu gato e saí. Caminhei um tanto, andei outro tanto de carona. Pra qualquer direção. Eu achava que não sabia onde estava indo, até que entrei aqui.
- Agora sabe?
- Acho que sim.

Um comentário:

  1. Bonito como uma menina de calcinha branca.

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    Abraço,

    Alex Mostard

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